segunda-feira, 13 de junho de 2011

Todas as vezes que temos uma vaga disponível no setor comercial de uma empresa das quais prestamos serviços, encontramos enormes dificuldades para contratar pessoas, principalmente pessoas jovens que estão cursando o ensino superior ou já formadas. E por quê? Porque os jovens não querem trabalhar com vendas. A maioria diz querer trabalhar em serviço administrativo. Sujeitam-se a salários menores desde que não tenham que vender. Mesmo dizendo que as grandes oportunidades estão ligadas ao setor comercial, fica muito difícil convencer alguém a efetivamente se entusiasmar com a tarefa de vender.

Observando esse comportamento da maioria esmagadora dos jovens que nos enviam currículos, atendendo a anúncios no jornal e por meio de mídia eletrônica como blog e redes sociais como o Twitter e o Facebook, comecei a pensar um pouco mais sobre o assunto. Por que os jovens não querem vender? O que os faz pensar que trabalhar na área de vendas é ruim? São perguntas muito instigantes e que merecem uma pesquisa mais bem elaborada seguindo critérios metodológicos apropriados.

Agora, fazendo uma observação mais genérica e empírica, pode-se afirmar que a situação econômica vivida pelo país desde 1994, com a estabilidade da moeda e com o retorno do crescimento econômico fez com que as famílias pudessem criar seus filhos em condições bem mais favoráveis do que as famílias que criaram seus filhos nas décadas de 1960 a 1980, por exemplo. A tranqüilidade e a segurança com que dispensam vagas de trabalho no setor de vendas faz pensar que o suporte que a família dá atualmente aos jovens pode ser uma das importantes causas dessa recusa e pode explicar, pelo menos em parte, esse fenômeno. Por outro lado, pessoas com menor nível de escolaridade e membro de famílias com menores oportunidades, tendem a recusar menos vagas na área de vendas, no entanto, também ocorre um significativo número de recusas por parte destas pessoas.

Essa mesma tranqüilidade e comodidade oferecidas pelas famílias de classe média e alta aos filhos está, também, diminuindo a capacidade de negociação dos jovens. Como quase tudo é conseguido de maneira muito fácil junto aos pais, os jovens precisam negociar muito pouco. O pouco exercício da negociação está se refletindo na rejeição a trabalhos na área de vendas. No conjunto da sociedade, talvez o prejuízo não seja tão significativo pois, no meio econômico muitas vezes ocorre tal qual no meio político, ou seja, poucos espaços ficam vazios. Se um não ocupa, outro ocupará. Se os jovens de classe média e alta não se interessarem pela área de vendas, os jovens de classe mais baixa e com maior ambição, fatalmente irão se interessar. De certa forma, ocorrerá até uma distribuição maior da renda, pois o setor de vendas é sempre um setor onde estão as maiores remunerações pagas pelas empresas.

O problema pode ser restrito às famílias e, especialmente, a algumas famílias onde os pais não dão muita importância ao ensino e ao aprendizado da arte de vender e de negociar. E por que isso? Porque mesmo que o filho opte por uma carreira, por exemplo, de médico, engenheiro, contador, economista, dentista, fisioterapeuta ou qualquer profissão onde ele possa ser um profissional liberal, necessitará e muito de sua capacidade de vender. Tudo hoje se resume à venda.

E se optar pelo exercício da profissão na condição de empregado de uma empresa pública ou privada, terá igualmente que vender. Seja sua imagem, que é o primeiro item que vendemos. Para conseguirmos amigos, desde a escola até o trabalho e a vida em sociedade, precisamos vender nossa imagem. Para conseguir um trabalho, precisamos vender nossa imagem e nossa capacidade de trabalho. Para conseguir o par afetivo, igualmente precisamos vender nossa imagem. E para conseguir trabalho, precisaremos sempre, primeiro, vender nossa imagem e, depois, vender o produto ou serviço específico com o qual vamos trabalhar ou nossa própria capacidade de trabalho e produção.

Nós estamos, como pais, sem nos darmos conta disso, deixando os nossos filhos especialistas em comprar e com o mínimo gosto e interesse por vender. Principalmente porque os bens de consumo e serviços estão sendo oferecidos aos nossos filhos sem que os mesmos sequer precisem sair de casa. Pela televisão, pelo telefone celular e pela internet os jovens estão tendo acesso a tudo que existe de bens e serviços disponíveis no mundo. E toda a filosofia das novas tecnologias está voltada para a venda. O que a televisão, o telefone celular e a internet fazem, como pano de fundo, tem o objetivo de vender.


E o mais interessante é que os grandes vendedores são os esportistas e os artistas. Com uma campanha publicitária bem feita os mesmos vendem determinados produtos ao país e, em alguns casos, ao mundo. Por questões de modismos, os jovens chegam a fazer fila para adquirir o produto quando o mesmo chega nas lojas. As lojas que vendem os produtos, muitas vezes, sequer têm vendedores. O cliente já chega na loja com a compra do produto feita a partir do momento que viu a propaganda na televisão, no telefone celular ou na internet. Só vai à loja para efetivar a compra através do pagamento e da tomada de posse do bem. Em alguns casos, a compra é feita pela internet ou pelo telefone. Porém, o mais difícil, que é vender o produto e criar a necessidade, já foi feito pelo garoto ou pela garota propaganda utilizadas no comercial.

Se tantas necessidades são criadas, obrigatoriamente haverá necessidade da obtenção de renda para satisfazê-las. Se estamos criando filhos especialistas em comprar, precisamos também ensiná-los a vender e obter renda. Sob pena de estarmos criando filhos candidatos a profundas e severas frustrações. Isso porque hoje vivemos um momento de prosperidade econômica. O Brasil experimenta um momento de expansão do consumo das famílias poucas vezes visto. E quando a crise chegar? A economia é cíclica e momentos de expansão são seguidos por momentos de retração e, em alguns casos, de recessão econômica.

Sabemos que a arte de vender é uma das artes mais difíceis de serem dominadas pelo ser humano. Para alguns, parece nata. Para outros, é de difícil entendimento e domínio. Todavia, se for trabalhada desde cedo, tendo como base a arte da negociação, pode-se obter ótimos resultados. E cabe à família esta tarefa. Cabe aos pais fomentar, desde cedo, a negociação com seus filhos. Dar o que os filhos pedem sim, na medida do possível. Mas não sem antes negociar com eles. Forçar os filhos à negociação pode ser mais trabalhoso e difícil, porém, no médio e no longo prazo, pode ser o diferencial entre formar uma pessoa independente financeira e economicamente de formar uma pessoa dependente financeira e economicamente de seus pais ou de terceiros.


Autor: Alfredo Fonceca Peris
Economista e sócio-diretor da Peris Consultoria Empresarial

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