segunda-feira, 23 de maio de 2011

Nas últimas eleições presidenciais o Brasil perdeu a oportunidade, mais uma vez, de debater, de maneira efetiva e resolutiva, o papel do Estado. O debate foi pobre e poucos assuntos relevantes para os interesses nacionais fizeram parte da pauta de discussões e debates. O então Presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores, aproveitando-se da alta popularidade desfrutada, escolheram e elegeram a sua candidata e apenas esperaram o prazo para que as urnas ratificassem sua decisão e sua escolha. A oposição foi incapaz de fazer frente à candidatura proposta por Lula exatamente porque não conseguiu escolher os assuntos relevantes e chamar a atenção das pessoas para a importância de sua discussão. Não fosse o destacado papel da candidata do Partido Verde, Marina Silva, sequer teríamos tido o segundo turno das eleições. Essa ausência de um debate mais efetivo e dirigido para os assuntos importantes que temos para resolver, principalmente durante o período que antecede a uma eleição presidencial, é extremamente prejudicial ao futuro do país. Como não houve o debate acerca do papel do Estado, a candidata vencedora da eleição ficou de certa forma, dispensada de qualquer compromisso com o país na definição desse papel. Nenhum dos candidatos em condições de vencer as eleições presidenciais de 2010 assumiu compromisso em diminuir ou aumentar o papel do Estado e nem em deixá-lo mais ou menos eficiente, o que se faz urgente e necessário.

Como o Estado brasileiro está se comportando e se configurando, uma vez que está tendo a oportunidade de tomar suas decisões sem que as mesmas sejam precedidas por um debate onde a população possa se manifestar e os candidatos assumam compromissos em relação ao seu papel na economia? Fazendo uma analogia com uma criatura estranha, híbrida, natural e artificial, ao mesmo tempo, parecida com algo surgido da criatividade dos gênios do cinema, está parecendo um paquiderme gigante. Como tal, faminto, voraz e guloso. Porém dotado de uma inteligência microeletrônica usada, em alguns casos, de forma policialesca para o patrulhamento da ação de todos aqueles que são ou poderão se transformar em seus contribuintes. Como a participação do Estado não pára de crescer, suas necessidades igualmente não param de crescer.

A essa criatura estranha some-se poderosos braços de aço prontos para esmagar seus devedores e credores, sem contar aqueles que dependem de serviços cuja obrigação constitucional é do Estado. E nós, como temos reagido às ações dessa criatura no qual está se transformando o Estado, no Brasil, cuja razão de ser é si mesmo, é crescer cada vez mais, arrecadar cada vez mais, gastar e gastar mal cada vez mais, como se ser fosse a razão única desse Ser?

Estamos passivamente assistindo a tudo isso, como se estivéssemos dopados ou dormindo em berço esplêndido iludidos com essa fase passageira de prosperidade, herança de uma política monetária e fiscal expansionista, imposta ao País a partir da crise de 2008, responsável, entre outras coisas, pela volta da inflação, acreditando que vai durar para sempre. Mas não vai. O Brasil cresce a taxas anuais em torno de 4%, desde 2003, enquanto o consumo cresce a taxas anuais de 10%. A economia é cíclica e, fatalmente, fases de prosperidade serão seguidas por crises. Principalmente quando se tem problemas sérios como a ausência de investimentos em infra-estrutura em quantidade e qualidade compatível com o crescimento do PIB e a arrecadação de tributos, excesso de gastos de consumo, moeda super valorizada e incapacidade de combater a inflação, como temos atualmente.

Para que não suscite dúvidas, quando me refiro à inteligência microeletrônica estou me referindo aos serviços de inteligência disponíveis, por exemplo, no Banco Central, na Polícia Federal e na Receita Federal, essencialmente. O País está, com as garantias do serviço público, cujo principal atrativo é a estabilidade, acrescido de interessantíssimos salários, atraindo os melhores crânios e inteligências para fazer parte dessas instituições. E com os recursos advindos de arrecadações que não param de crescer, dotando esses organismos de máquinas e equipamentos e tecnologias capazes de prestar-lhe os melhores serviços.

Quando me refiro aos poderosos braços de aço estou me referindo, essencialmente, aos órgãos ligados aos setores de arrecadação, como a Receita Federal do Brasil, e aos órgãos de defesa do Estado e de seus membros, como a Procuradoria da Fazenda Nacional, a Advocacia Geral da União, ao Ministério Público Estadual e Federal e aos departamentos jurídicos das empresas estatais e demais órgãos públicos, quer sejam municipal, estadual ou federal. Esses organismos são utilizados com a maior rapidez e eficácia, por exemplo, para cobrar as dívidas dos contribuintes junto ao Estado e para impedir que o contribuinte, na condição de credor do Estado, consiga receber seus créditos.
Quando o Estado tem para receber, sua ação é rápida e enérgica. Experimente se tornar inadimplente com um tributo federal para ver a rapidez com que a Receita Federal envia a dívida para a Procuradoria da Fazenda Nacional e esta, imediatamente, ajuíza uma ação de cobrança, além de lhe negar certidões negativas para que você, por exemplo, possa vender um bem.

Por outro lado, se tiveres a infelicidade de ser credor do Estado, experimente ver como este se defenderá até a última instância e fará todo o possível para lhe negar o pagamento, o que, só isso, já é humilhação por demais. Em muitos casos o credor morre idoso sem receber seu crédito junto ao Estado.

Além dessas questões pontuais, temos o caso do descumprimento pelo Estado de suas obrigações previstas em lei, particularmente na Constituição. Só vou citar o Artigo 6º, como exemplo. Sua redação diz: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Quando o Estado descumpre quaisquer umas dessas obrigações, fatos que vemos todos os dias acontecerem aqui e ali, em um desses itens pelo menos, nós podemos cobrar de quem?

Dos políticos, na condição de legisladores? Em respostas prontas nos dirão que isso é obrigação do Poder Executivo e que irão criar uma lei onde todos os problemas se resolverão. Sabemos que hoje as Leis preferencialmente são criadas por iniciativa do Poder Executivo, principalmente a nível federal, e para atender a seus interesses. Quantas modificações foram feitas na Constituição para atender ao esforço de maior arrecadação, desde 1988?

Dos políticos, na condição de administradores públicos? Igualmente nos responderão com uma série de desculpas, as mais esdrúxulas e esfarrapadas possíveis. Tais quais as que estamos todos os dias acostumados a ver e ouvir quando algum membro da imprensa identifica um descumprimento das obrigações do Estado e vai entrevistar a autoridade competente para resolver ou pelo menos dar explicações que nos façam acreditar que o problema será resolvido.

Imaginem ou, então, assistam os telejornais para ver as explicações dadas pelo governo quando um membro do Partido que está no poder comete uma irregularidade ou é suspeito de ter cometido. Prontamente o santificam, sem sequer beatificá-lo antes. É coisa de pouco mais de uma semana para o cidadão receber o título de “santo”. Um protege o outro até o momento em que a oposição negocie um interesse com o governo em troca do silêncio. E a imprensa? São tantos os escândalos que não dá nem tempo de esgotar um para que outro tenha início.

Se não acreditamos nos políticos e nem nos administradores públicos vamos recorrer aos funcionários públicos. Esses, por mais boa vontade que possam ter, sempre estão em número insuficiente e com os recursos insuficientes. Em última instância, por estarem inseridos nas comunidades e mais próximos dos problemas, são os que ainda, na medida de suas limitações, conseguem ser mais efetivos. Porém, não é sempre que isso acontece. A estes pode até sobrar boa vontade. Porém falta apoio institucional, pessoal e recursos técnicos e materiais.

Agora, se nada disso resolver, como ocorre na maioria das vezes, experimente entrar com uma ação de cobrança contra o Estado e verá o tamanho da humilhação a qual você será exposto.

 Sendo mais pontual, quando o cidadão precisa de transporte público, principalmente nas cidades médias e grandes, é de qualidade questionável e caríssimo. Se resolver utilizar seu próprio automóvel terá que pagar seguro obrigatório, licenciamento, IPVA, estacionamento regulamentado no centro da cidade ou então estacionamento privado e ainda terá que pagar seguro para uma companhia de seguros privada, sem contar o pagamento dos “flanelinhas”. Se precisar viajar com seu veículo, precisará pagar pedágio cujos preços são simplesmente absurdos. Sem falar que no preço do combustível estão embutidos algo em torno de 43,67% de tributos. E a carga tributária embutida no preço para aquisição do automóvel?

Quando precisar de serviços de saúde para si e para sua família, terá que pagar plano de saúde privado. Poderá até ir buscar socorro em uma unidade pública de saúde, porém, com certeza, gastará algumas importantes e produtivas horas do dia esperando para ser atendido. Se depender de um procedimento mais sofisticado, como um exame, por exemplo, ou uma cirurgia, ficará em uma fila aguardando por meses ou até anos.

Quando precisar de segurança para o seu patrimônio terá que pagar segurança privada, seguro, ter cercas elétricas nos muros, cães de guarda e sistemas de alarme. Se quiser segurança pessoal e para sua família, aí somente evitando sair de casa à noite e rezando muito.

Quando precisar de educação de qualidade com ambientes relativamente seguros, precisará pagar uma instituição privada de ensino, pois as vagas em escolas públicas não são suficientes para todos. Devo fazer duas importantes ressalvas. Primeiro, no caso do ensino superior as instituições públicas no Brasil têm qualidade igual ou, em muitos casos, superior às instituições privadas. Todavia, as vagas disponíveis são insuficientes para todos. Se o filho não for aprovado em uma instituição pública, cabe a segunda ressalva: o FIES e os programas de inclusão de alunos carentes no ensino superior atendem uma parte significativa daqueles que não conseguem vaga nas instituições públicas de ensino superior. Aos demais, só restará como alternativa o pagamento a uma instituição de ensino superior privada.

Quando precisar de qualquer documento, até mesmo para provar quem é, precisará ir a um cartório e tirar cópia autenticada dos documentos bem como reconhecer sua assinatura por semelhança e, em alguns casos, reconhecer por verdadeira. Isso por que, na grande maioria dos lugares, não acreditam em nossa palavra. Somente se consegue provar quem somos com documentos cujas cópias são autenticadas e cujas assinaturas são reconhecidas em cartório e cujos preços são altíssimos. Sem contar a burocracia, em todos os órgãos públicos. E sem contar, ainda, com a filosofia presente no serviço público: tudo que você quiser você terá que provar. O ônus da prova é sempre do cidadão e do contribuinte.

Então volto a perguntar: Estado para quê? Estado para quem? Antes de responder, vou deixar bem claro que não sou anarquista e não estou dizendo que o Estado não faz nada ou faz tudo errado. Também não estou querendo dizer que não precisamos do Estado, tal qual está organizado. Estou querendo dizer que precisamos do Estado, sim, cada vez mais. Mas precisamos de um Estado que, em primeiro lugar, cumpra o seu dever. Em segundo lugar, cobre os cidadãos para que também cumpram o seu dever. Uma sociedade verdadeiramente democrática não é aquela em que todos têm que cobrar seus direitos. Mas, sim, aquela em que todos cumprem o seu dever. E quem deve dar o exemplo primeiro, é o Estado.

Principalmente porque numa sociedade onde todos têm que cobrar seus direitos, dado o tempo e o custo exigido para essa cobrança, os mais esclarecidos e dotados de maior poder aquisitivo terão sempre as maiores oportunidades de fazer valer seus direitos.

Penso que quem faz parte do Estado, quer seja como funcionário concursado, como funcionário nomeado ou por cargo eletivo, tem que se lembrar que o Estado não pode existir por existir. Ele tem que se justificar. E a melhor justificativa para o Estado é o cumprimento de seu dever. Se o Estado fosse pobre, não arrecadasse e não tivesse o que arrecadar, até poderíamos ser mais tolerantes. Mas não é definitivamente o que acontece no Brasil. Somente em abril de 2011, a arrecadação de tributos federais atingiu 85,15 bilhões de reais. O recurso existe e a arrecadação não pára de bater recordes. O que parece faltar é, em primeiro lugar, uma mudança completa de filosofia: o Estado pelo cidadão e para o cidadão, independente da sua raça, idade, cor, sexo, nível educacional, opção política, religiosa e sexual e, principalmente, poder aquisitivo. Em segundo lugar, precisa mudar a metodologia de trabalho. Esta requer investimentos pesados na organização da máquina administrativa, em todas as esferas de governo.

Autor: Alfredo Fonceca Peris
Economista e sócio-diretor da Peris Consultoria Empresarial

2 comentários:

  1. Luciane Silva - Economista24 de maio de 2011 às 16:50

    Prezado Alfredo, voce está certíssimo em suas colocações, mas infelizmente existe a tal da consciencia que a maioria das pessoas nao possue,ou seja, sabemos o que deve ser feito, povo, autoridades, políticos, profissionais autonomos, etc. O problema é que ainda estamos na fase de fazer aquilo que nos é conveniente, mesmo sem perceber é assim que fomos condicionados a agir.

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  2. Diógenes Quirino- Representante comercial-
    Prezado professor Alfredo:
    Concordo plenamente com tudo que disse sem tirar uma vírgula. Tenho 62 anos e passei pela maioria das situaçoes sitadas. O que podemos fazer para alterar a situação, já que estamos reféns do estado em todas as suas esferas?

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